terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Sal - Uma deliciosa surpresa de Letícia Wierzchowski

  Um farol reina sobre uma pequena ilha no extremo sul da América Latina. Sobre a família Godoy, pairam profundas emoções. Permeando tudo, a terrível sina que corre nas veias de cada um. 



  Letícia Wierzchowski é uma autora brasileira, mais conhecida pela adaptação televisiva de seu romance A Casa das Sete Mulheres. Confesso que nunca tive contato com a minissérie nem nenhum trabalho da autora. Foi um mero acaso que me levou a Sal: encontrei um exemplar no meio de várias outras obras, de promoção, e resolvi comprar. Era um presente para minha mãe, apaixonada pelo mar e por tudo que carregue maresia consigo. Acabei lendo eu mesmo, depois dela ter feito sua devida leitura. Não poderia ter tido uma surpresa mais agradável.

   A vida dos membros da família Godoy começa a ser dissecada desde o início do livro por Flora, uma das filhas mais novas de Cecília e Ivan. Transformando a trajetória de seus antepassados, de seus genitores e de seus irmãos, em uma trama bem construída e ritmada, Flora dá nascimento a um livro totalmente impregnado da realidade em que vive. O leitor se pega desfiando a complicada e deliciosa história dos Godoy, para depois mergulhar na mente sempre fervilhante de Flora: e assim seguem os capítulos, até o momento em que não é mais tão fácil diferenciar a realidade da ficção.

  Na ilha de La Duiva habitam os remanescentes de um antigo clã de navegadores bravios, que não exitavam em se atirar ao mar na primeira oportunidade. Entre eles, transitam demônios pessoais e fantasmas do passado. Toda a vida segue o ritmo do farol, que paira, absoluto guardião, sobre tudo aquilo que sua luz alcança. A atual geração dos Godoy vive em relativa paz, até que as marés de suas vidas finalmente se agitam. O mar, soberano, atira à praia os mais inesperados tesouros e tragédias.


  A narrativa de Wierzchowski é cativante e te proporciona a mais fascinante imersão em seu universo ficcional. Ao final da obra, é com pesar que nos despedimos de Flora e Orfeu, Julius e Tiberius, Cecília e Ivan. A autora tece com maestria as personalidades de seus personagens e dá a cada um, um estilo próprio, um modo peculiar de se expressar, que se torna evidente nos capítulos narrados por outros membros da família Godoy. Depois que o leitor se deixa embalar pelo vai e vem das ondas que quebram nas areias de La Duiva, é impossível desgrudar do livro. 

  Com certeza, Sal já tem seu lugar garantido entre as melhores leituras de 2016. 

 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Os Mistérios de Dupin

Quem já tem alguma familiaridade com os escritos de Edgar Allan Poe deve conhecer os três contos que contam os feitos de Dupin, um personagem de aspecto bastante peculiar. Mas antes de tudo, vamos deixar claro: as histórias de Dupin não são necessariamente histórias policiais.

 

 

De início, a personalidade objetiva e introspectiva de Dupin podem lembrar aos leitores o icônico Sherlock Holmes, mas Poe não poderia ter se inspirado no detetive mais famoso de todos os tempos para criar seu personagem, já que a primeira história de Dupin foi publicada em 1841, alguns anos antes do nascimento de Arthur Conan Doyle, criador de Holmes. Esclarecendo essa possível confusão, vamos falar sobre os três contos que nos interessam.

Os crimes da rua Mogue, O Mistério de Marie Rogêt e A Carta Roubada tem como protagonista C. Auguste Dupin. Em cada uma dessas três narrativas, temos um fato eão que Dupin, tomando conhecimento da situação, resolve analisar por conta própria e chegar à verdade dos fatos de seu modo. Dupin não é um detetive, e suas histórias não são clássicas narrativas policiais. A intenção de Poe é apenas uma: despertar a atenção do leitor para os detalhes e para o pensamento lógico. 

O motivo de constituir suas tramas a partir de crimes aparentemente indissolúveis é justamente seu interesse de ressaltar o fato de que as pessoas normalmente não conseguem enxergar o que está diante de seus olhos. Dupin é um observador e pensador lógico de primeira categoria. É se valendo exclusivamente de seu poder de observação e dedução que ele soluciona situações que parecem ser caóticas. 

 

Iniciar a leitura de uma das aventuras de Dupin esperando ler uma história policial pode ser frustrante, e é isso o que acontece com muitos leitores. Aqueles que já tem maior familiaridade com as obras de Poe devem ter percebidos que esta se divide em duas partes: contos sobre a natureza do pensamento lógico (para além dos contos de Dupin, podemos citar O jogador de xadrez de Maelzel e O Escaravelho de Ouro) e contos de mistérios aparentemente sobrenaturais (entre os mais famosos estão O gato preto e A queda da casa de Usher). Na verdade, essa dicotomia faz mais sentido quando examinamos a obra em conjunto: o que observamos é que Poe nos expõe argumentos lógicos, bem detalhados, para explicar fenômenos extraordinários, e ao mesmo tempo, em outras obras, nos coloca na pele de personagens que juram estar presenciando acontecimentos sobrenaturais. É, basicamente, como se ele dissesse: mesmo tendo visto Dupin explicar algo completamente absurdo de maneira racional, você ainda acha que o que aconteceu na casa Usher não foi um fenômeno desse mundo?

Os contos de Poe são focados em aspectos psicológicos, e sempre deixam o leitor na dúvida: o personagem estava louco, ou realmente presenciou algo para o qual não há uma explicação racional? Em todos os seus textos, os detalhes são elementos centrais para que se compreenda o significado. Poe, enfim, brinca com o psicológico de seus personagens e com o de seus leitores, levando-nos da racionalidade à irracionalidade entre um conto e outro. Cada nova história te dá elementos para compreender melhor as outras. Poe aguça nossa imaginação e nossa curiosidade ao mesmo tempo. É isso que faz de Poe um autor que deve ser lido e relido, sempre uma vez mais.